sábado, setembro 16, 2017

A semiescravidão hortofrutícola soviética em fotos

O trabalho forçado era um dos pilares do sistema laboral soviético. Não era praticado apenas em campos de concentração de GULAG, acompanhava o cidadão soviético durante toda a sua vida, desde a escola primária até o trabalho gratuito nas empresas no decorrer dos “sábados comunistas”. O sistema soviético estava organizado de tal forma que o cidadão não podia recusar esse trabalho, sem ser alvo de diversas sanções punitivas.

A reportagem de hoje se debruçará sobre o “dever laboral” dos engenheiros e técnicos, professores e estudantes universitários, da classe média soviética do “colarinho branco”, que era obrigada a cumprir nas bases hortofrutícolas e kolkhozes [à semelhança dos programas praticados na China ou Camboja comunista, ou ultimamente proclamados na Venezuela].

Para que os cidadãos eram enviados às bases hortofrutícolas?

O poder soviético nunca deu grandes explicações ao processo, limitando-se aos clichés de propaganda: “o grupo de camaradas do coletivo de trabalho decidiu voluntariamente ajudar aos camponeses kolhozianos soviéticos no seu lavouro árduo em benefício da nossa pátria soviética, efetuando a digressão laboral aos campos, o que deverá unir a intelligentsia trabalhadora e os agricultores coletivos na tarefa de construção do comunismo”.

Na essência, a resposta real é essa: durante décadas de existência do poder soviético, na URSS não surgiram tecnologias modernas de recolha e armazenamento efetivo de cereais, fruta e vegetais, e graças à economia planificada, controlo medíocre e desinteresse de todos os segmentos da produção agrícola se chegou à situação em que o repolho apodrecia nas adegas, a batata congelava nos armazéns, o tomate ficava machucado e facilmente se estragava. Basta lembrar as malcheirosas lojas soviéticas de venda de fruta e vegetais, em que algo estava constantemente apodrecendo (se não for na sala de comércio, então nos armazéns) – uma constante imagem holística e sombria da agricultura soviética.
Não havia como sair desse círculo vicioso, na URSS estava ausente qualquer competição, vista como algo burguês e maléfico. Em qualquer país capitalista, as empresas agrícolas negligentes entrariam em falência, dando o lugar à quem realmente sabe e quer trabalhar, mas os axiomas soviéticos diziam que “a propriedade privada é uma coisa má, a concorrência é má, mesmo o desemprego mínimo é mau”, como resultado – os ratos continuavam a chorar, se picar, mas comer os cactos.

Para tapar os buracos da agricultura soviética defeituosa, os cidadãos comuns eram enviados para ajudar os agricultores kolkhozianos, devendo cumprir o seu “dever laboral” que podia variar entre algumas horas e vários dias.

Escravidão “voluntária forçada”

Quem era enviado às bases hortofrutícolas e kolkhozes? Na maioria das vezes, eram moradores urbanos, cidadãos afastados da agricultura, trabalhadores de empresas soviéticas “não produtivas” e institutos de pesquisa, bem como professores e estudantes. Os serralheiros e torneiros não eram enviados aos trabalhos agrícolas, ao campo iam engenheiros, contabilistas e outros trabalhadores de “colarinho branco”, que eram, por padrão, consideradas na URSS como pessoas de segunda classe, em comparação com “operários e camponeses”.

Era possível se recusar ir à safra das batatas”? Teoricamente sim, mas a recusa poderia implicar uma variedade de problemas aos “dissidentes”, dependendo da sua empresa e da sua posição laboral. Era mais fácil para as pessoas de concordarem para não criar problemas e para não “dar nas vistas”.
A escolha dos “voluntários” decorria de seguinte forma: o poder superior (ministério, departamento, etc.) enviava à empresa o número dos trabalhadores que esta deveria providenciar ao envio para um determinado kolkhoze ou base hortofrutícola. O chefe, que não cumpria a ordem, poderia arranjar problemas na sua carreira – laboral e no partido comunista. Em seguida, o próprio chefe criava o seu plano de ação – primeiro recrutando os “voluntários” (usando os argumentos como “é, pá, você é um homem soviético / mulher soviética, deve entender!”), os restantes membros da “incursão laboral” poderiam ser recrutados sob coação (em caso da recusa não recebiam o voucher ao sanatório da empresa, perderiam o direito ao prémio pela produtividade, etc.)

No caso de uso de coação nenhum sindicato [organismo na União Soviética completamente partidarizado e estatizado] iria defender o trabalhador. O funcionário soviético era realmente um servo que praticamente não tinha nenhum direito e nenhum campo de manobra nestes casos. Ele não tinha como se recusar a cumprir quaisquer obrigações extras sem que essa recusa não tivesse consequências, pois o próprio sistema soviético não conferia esses direitos à ele. Os slogans como “o partido disse que se deve – o Komsomol respondeu sim”, essencialmente cobriam a escravidão laboral habitual, quando as pessoas não tinham o direito de escolher as suas próprias atividades.

O romantismo do repolho podre

O que exatamente os citadinos urbanos faziam nestas “viagens de vegetais”? Existiam vários tipos de trabalhos – carga / descarga de legumes, arrastar os sacos ou cestas de legumes de um lugar para outro, colocar as batatas nos sacos, triagem de repolho podre – das cabeças do repolho malcheiroso se deveria retirar as folhas podres, e assim, dar ao vegetal uma aparência mais ou menos apresentável.

Era um trabalho duro, sujo e desagradável que nos países desenvolvidos era e é executado pelos trabalhadores menos qualificados, já na URSS, era efetuado, em regime da “pressão compulsiva voluntária” por estudantes de boas universidades, engenheiros e docentes universitários.
Surpreendentemente, hoje muitos dos ex-cidadãos soviéticos lembram estas viagens com um certo amor e carinho [“bebíamos vodca”; comi a Marina da contabilidade”] que, em princípio, pode dizer muito sobre o fenómeno do amor dos cidadãos para com a União Soviética – as pessoas apenas se recordam da sua juventude, quando o mundo inteiro era visto às cores do arco-íris. Dificilmente essas pessoas concordariam, hoje em dia, de ir à algum lugar sem condições no outono cinza e frio para fazer gratuitamente a triagem do repolho podre.

O “grande país”, a União Soviética – desconseguiu estabelecer a agricultura moderna, as reportagens anuais da safra pareciam os relatórios da frente da batalha (“incursões laborais” vs “batalha pela colheita”), mas também bastante legalmente utilizando o trabalho semi-escravo de seus cidadãos, enviando-os aos trabalhos gratuitos.

[E você, o nosso querido leitor, gostaria de fazer gratuitamente a triagem do repolho podre em algum kolkhoze longínquo? Pense duas vezes: como o pagamento pelo seu trabalho você poderia receber 1-2 cabeças de repolho quase nada podre ou 1-2 kg de cenoura / beterraba forrageira. Praticamento isso pode ser considerado como a prática do socialismo científico: “de cada um pelas capacidades, ao cada um pelo trabalho” ;-)]

Fotos @Internet | Texto Maxim Mirovich e [Ucrânia em África]

1 comentário:

Daniel Agl disse...

Estou amando o blog. Tenho aprendido muito. Boa sorte para a Ucrânia. Que Deus à abençoe!